quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ARTIGO - POR QUE DEFENDER UM “DELINQUENTE”?



Rodrigo Marin Castello


Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal e Processual Penal da Universidade São Marcos, Central de Concursos e Idejur


O tema deste artigo geralmente é objeto de discordâncias e acaloradas discussões, às quais não nos ateremos ao discorrer sobre o assunto. Vamos partir direto do ponto consagrado em nossa Constituição Federal, que afirma que todos têm direito a uma defesa e a um processo humano e justo. Analisando a questão por outro ângulo, também convido os leitores a refletirem sobre o lado espiritual. Assim sendo, importante citar brevíssimos comentários a respeito de um caso bastante interessante que pegamos no escritório e no qual advoguei em prol do necessitado.
Um jovem garoto possuía apenas dezoito anos de idade, estava desempregado e envolvido com drogas. Ganhava o valor de R$ 10,00 (dez reais) por dia para apenas entregar a droga a quem o procurasse. Em uma determinada tarde, foi surpreendido pela polícia e preso em flagrante delito, sob a acusação de ter cometido o crime de “tráfico de drogas”. Do cárcere do Distrito Policial foi transferido para o Centro de Detenção Provisória II, de Osasco. Tendo em vista suas condições financeiras em contratar um defensor, optou por um advogado do Estado. Assim sendo, fui eu nomeado para atuar em seu favor e, iniciei o meu trabalho. Em primeiro lugar, dirigi-me à cadeia onde estava custodiado e iniciamos uma conversa.
Acredito que um trabalho justo e eficaz não é somente batalhar tecnicamente com os textos de lei, mas sim ter humanidade. Muito bem, ao chegar à cadeia, dirigi-me ao parlatório - lugar onde os presos conversam com seus advogados -, e a ele fiz inúmeras perguntas. Indaguei-o: “Qual a sua idade?”. Ele respondeu: “dezoito anos”. “Você tem família?”. Ele disse: “Não”. “Mas e seus pais e irmãos?”. Disse ele: “Não tenho família. O meu pai a polícia matou. Minha mãe morreu quando eu era pequeno. Meu irmão está preso. Eu nunca estudei, não sei ler nem escrever. Estou passando por muitas dificuldades”.
Diante da real situação do pobre jovem, indago-me: por que julgá-lo e não ajudá-lo?
Concordando ou não, este pequeno infrator também é filho no nosso Grande Criador e é, da mesma forma, merecedor de ajuda, seja ela material, seja ela espiritual. Não negamos que a sociedade esteja desordenada diante de grandes tragédias, guerras, crimes. Mas para isso há um motivo, que é a falta de compaixão, de amor, de ajuda, de caridade com o próximo. Estão presentes, infelizmente, as figuras do ódio, do orgulho, do egoísmo, da vaidade e do julgamento. Nós, cidadãos, somos experts em julgar o próximo. Mas, obviamente, não gostamos de ser julgados. Será que nós não somos seres errantes? Será que estamos de passagem por este planeta de provas e expiações, sem erros? Será que já atingimos o grau evolutivo suficiente?. Sempre pergunto, por que julgar o próximo? A resposta é simples, é porque o erro do outro é sempre muito mais grave do que o nosso?.
As doutrinas nos confortam com sábias palavras de mentores e juristas que dizem: “cada qual se encontra em um patamar evolutivo”. Diante disso, devemos concluir que é bem provável que uma pessoa de classe média ou alta não cometa um crime de tráfico de drogas, roubo, seqüestro, extorsão, furto (famélico), dentre outros, por ter tido mais oportunidades e educação. Porém, cometem crimes que podem ser considerados muito piores. Um deles é a sonegação de tributos. Crime este capaz de “tirar da boca” de muitas pessoas o pão para alimentar-se. Mas isso, para eles, pouco importa, pois não estão preocupados com o próximo. Querem, sim, que os cidadãos que julgam errantes sejam eliminados da sociedade e jogados no cárcere, de preferência que lá permaneçam até o fim de sua existência.
Creio que, à luz da doutrina terrena ou do além, não seja este o pensamento correto. Correto seria agradecermos pelos problemas. Agradecermos por ter conseguido suportá-los e pedirmos mais, pois somente assim estaremos crescendo e subindo os degraus rumo ao paraíso. Por outro lado, há pessoas que, devido ao grau evolutivo, não conseguem enfrentar as dificuldades e partem para caminhos errados, a exemplo do pobre jovem que destacamos. Para estas, “pequenos problemas”, aos nossos olhos, são tão grandes, que chegam a ser insuportáveis. Então, cabe a nós estendermos as mãos e ajudarmos os nossos irmãos errantes, pois são espíritos que não estão conseguindo cumprir suas missões. Repito, cabe a nós ajudarmos os nossos irmãos errantes, pouco importando o ato que praticaram. Devemos, através das nossas atitudes, plantar a semente chamada AMOR.
Por estas breves e humildes considerações, optei pela área criminal, em especial a advocacia. Creio que devemos fazer a nossa parte e ajudar o próximo, pois não sabemos o dia de amanhã.
Coloquemos em prática a doutrina, pois somente assim teremos um mundo mais justo, fraterno e de paz. Optemos pelo amor a julgamentos temerários, e suportemos as verdadeiras avalanches de críticas advindas da atuação de defesa de supostos criminosos.

6 comentários:

  1. ANTONIO ALEXANDRE DANTAS DE SOUZA29 de outubro de 2009 às 11:41

    Garra, ética e humanidade serão sempre as diretrizes das quais o advogado criminalista deverá se conduzir. O brilhante artigo escrito pelo meu Mestre e amigo, Dr. Rodrigo Marin Castello apresentam aos céticos a verdadeira face do Criminalista, o SER HUMANO.
    Devemos buscar sempre o caráter social da pena, devemos ser educadores assim como já lecionava Beccaria em sua obra mestra "Dos delitos e das Penas", pois o crime se faz escola e família de muitos, essa é a grande e cruel realidade de nossas ruas, becos e esquinas...
    A função do advogado criminalista é, acima de tudo, 'estender a mão', e mostrar ao paciente que existem alternativas. "A advocacia é a mais importante ciência, ora, quantos morrem lutando pela liberdade", não apenas a liberdade de locomoção, mas sim, a liberdade de viver.

    Parabéns ao mestre Dr. Rodrigo pelas brilhantes palavras, que elas possam servir de farol para iluminar a mente daqueles que vivem as sobras do preconceito. Estendo os meus cumprimentos à organizadora deste Blog, Dra. Janaina Basilio pela iniciativa que jamais deverá ser esquecida.

    Por uma consciência Jurídica livre de preconceitos...


    Antonio Alexandre
    Futuro Criminalista

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  2. Rebecca S. Latrova Linares29 de outubro de 2009 às 16:26

    Brilhante, não comportando excesso de comentário.

    Abs

    Rebecca S. Latrova Linares

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  3. Primeiramente parabenizo o grande Mestre e amigo Dr. Rodrigo, pelo que expôs com tanta propriedade e bom senso.
    Trata-se, deveras, de tema polêmico, que divide opiniões nas mais diversas rodas.
    Ora, entendo ser a própria sociedade a grande incubadora de criminosos. A sociedade cria meios para que o criminosos exista. Logo, é de se esperar que a pessoa que comete o crime também tenha seus direitos assegurados.
    Entretanto, percebo que, em alguns casos, inexistente é a idéia de que a pena ressocializa o criminoso.
    Necessário é, indagar se a pena realmente está cumprindo sua função social.

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  4. EXCELENTE MATÉRIA. APRECIEI MUITO. QUE DEUS POSSA SEMPRE LHE ILUMINAR. GRANDE E FRATERNO ABRAÇO DO URSO POLAR.

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  5. Parabéns!!!
    Como sempre seguindo o lado humano e espiritual, continue sempre assim.
    Te admiro muito!
    Renata Salam

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  6. teacher, apenas quero formalizar que orgulha-me ter o prazer de ter sido sua aluna do 5K-manhã neste semestre que encerrou-se, pois aprendi muito com seu modo de lecionar.
    Espero ter o prazer de continuar sendo sua aluna agora no 2Sem. 2010.
    Parabéns por pensar deste modo, com certeza se todos tivessem este pensamento teríamos um mundo melhor.

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