sexta-feira, 6 de novembro de 2009

É POSSÍVEL A INDICAÇÃO DE ASSISTENTE NA FASE POLICIAL?



Por Rodrigo Marin Castello


Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal na Central de Concursos, Universidade São Marcos e IDEJUR.


A Lei n. 11.690 de 9 de junho de 2008, que trouxe nova redação ao artigo 159, do Código de Processo Penal, estabeleceu, no § 3º deste artigo, que “Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico”, e, adiante, acrescentou, no § 4º, do mesmo artigo, que “O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão”. Entendemos que a redação do referido artigo poderá dar margem a grandes discussões.

Em primeiro lugar, devemos distinguir as duas fases da persecutio criminis, uma pré-processual e outra processual. A primeira, fase preliminar, destinada à colheita de provas e a segunda, fase judicial, que vigora o sistema acusatório, ou seja, todas as provas são colhidas sob o crivo do contraditório.

O que nos interessa é a tentativa da resolução do problema que podemos enfrentar na fase pré-processual com esse novo comando processual do artigo 159, CPP.

Sabemos que na fase pré-processual vigora o sistema inquisitivo, ou seja, boa parte dos princípios informadores do nosso processo penal não é aplicável, pois, aqui, não há acusador, defensor, tampouco julgador. Há, apenas, uma autoridade que conduz as investigações, colhendo elementos suficientes para fornecer aos autores da ação penal – seja ele querelante, na ação penal de iniciativa privada ou Ministério Público, na ação penal pública para ingressá-la em juízo.

A nova lei possibilitou a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico, pelo Ministério Público (titular exclusivo da ação penal), assistente de acusação (ingressa no processo com interesse pela obtenção à reparação do dano), o ofendido (titular do bem jurídico ameaçado), o querelante (titular da ação de iniciativa privada) e o acusado (violador da norma penal incriminadora) a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão (§ 4º, do art. 159, CPP). Muito embora o legislador tenha empregado a palavra “partes”, no sentido de que já há a relação jurídica processual formada, entendemos que o emprego da palavra “acusado” sobrepuja àquela em homenagem ao princípio da verdade máxima processual.

Silveira Bueno[1] dá o significado da palavra Acusado. Pode ser “imputado”, “notificado”, “réu” ou “incriminado”. Com isso entendemos que o acusado em sentido estrito é o réu que figura na ação penal e, em sentido amplo, tanto pode ser o réu, já mencionado, como o investigado, na fase pré-processual, uma vez que lhe está sendo imputado um crime.

Destacamos um grande problema que poderá ocorrer no dia-a-dia forense. Imaginemos o seguinte exemplo: Há dois crimes de homicídio que estão sendo investigados (inquérito policial já instaurado). Em um dos inquéritos a pessoa que está sendo investigada – o “acusado” – é portadora de grandes fortunas e, no outro, o investigado – “acusado” - é totalmente desprovido de qualquer valor: “ um pobretão”. Sabemos que a autoridade policial, por força do artigo 6º do CPP pode, e deve, ir atrás de absolutamente todas as provas necessárias ao deslinde da causa. Muito bem. Temos uma prova bastante importante num crime de homicídio, senão a primordial, que é a pericial. Perguntamos: com a possibilidade de formular quesitos e indicar assistente técnico, qual será o investigado que terá maiores chances de futuramente ser absolvido? Ou melhor, ter a denúncia rejeitada de plano? O pobretão, que terá em seu desfavor simplesmente um laudo pericial formulado pelo Instituto de Criminalística ou o magnata, que terá em seu desfavor o mesmo laudo, mas, por outro lado, em seu favor, brilhantes pareceres de grandes juristas que por ele fora contratado?

E mais, e se o investigado desafortunado manifestar seu desejo junto ao delegado de polícia de contratar um assistente técnico para acompanhar as investigações? Correto seria a autoridade policial comunicar imediatamente ao juiz e este lhe nomear um assistente.

Certamente, o investigado magnata contratará grandes peritos para acompanhar e realizar perícias durante a investigação e, quando o inquérito policial for relatado e remetido ao juízo, terá o réu afortunado maiores chances de ser impronunciado ou absolvido sumariamente; ou, em um crime comum, a denúncia nem ser recebida e, mesmo que recebida, ser o acusado absolvido sumariamente. Já para o investigado desafortunado a situação é inversa, pois, obviamente, embora tenha o desejo de contratar grandes assistentes técnicos para acompanhar e realizar perícias, suas condições financeiras não o permitem. Pergunto: quem arcará com as despesas do assistente técnico na fase de investigação, de um investigado – “acusado” - desafortunado? O Estado? Com isso, vemos a violação ao princípio da igualdade.

Imaginemos a seguinte situação: se o “acusado”, já na fase judicial, informar ao magistrado que gostaria de ter tido condições financeiras para ter contratado um assistente na fase policial - O que fazer? Não se pode, simplesmente, descartar a indignação do réu. Logo, para que haja um tratamento isonômico, o magistrado deverá oficiar o órgão competente, para que lhe seja nomeado um assistente técnico, a fim de solucionar o ponto duvidoso, sob pena de ferir de morte os alicerces constitucionais. Certamente, se o investigado desafortunado tivesse tido condições à época de contratar um assistente técnico de sua confiança na fase de investigação, a exordial acusatória, quem sabe, poderia nem ter sido recebida, ou poderia ter sido ele absolvido sumariamente. Assim, importantes considerações de Andrey Borges de Mendonça[2] dizendo que “se muitas provas já são colhidas durante a fase inquisitorial, inclusive de natureza cautelar, deveria ser permitido às partes nomear assistente ainda antes de iniciado o processo. Ademais, com a possibilidade de absolvição sumária, logo de início do procedimento ordinário, as considerações do assistente técnico poderiam ser relevantes”. Assim, se durante a ação penal houver qualquer manifestação e o magistrado nada fizer, a conseqüência será a nulidade por cerceamento de defesa e patente violação ao princípio da igualdade consagrado na Constituição Federal.

Infelizmente percebemos, mais uma vez, que a justiça tem dois pesos e, ao final, quem sairá vitorioso será sempre o magnata.



[1] BUENO, Silveira, 1898-1989: minidicionário da língua portuguesa – São Paulo: FDT, 2000, p. 25.
[2] Nova reforma do Código de Processo Penal – São Paulo – Método, 2008, p. 186.



Um comentário:

  1. Antonio Alexandre Dantas de Souza26 de novembro de 2009 às 11:40

    Dr. Rodrigo, como sempre Brilhante!!!

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