quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Mentir pode ser um crime sexual?

Matéria da Revista Veja de 28 de julho de 2010.


Um encontro casual em uma rua de Jerusalém há dois anos mudou a vida do
árabe israelense Sabbar Kashur, de 30 anos. Ele fazia entregas em um mercado
quando uma mulher judia puxou conversa. O rapaz se apresentou como "Dudu" -
diminutivo de Daniel entre os israelenses -, e não mencionou que era casado
e pai de dois filhos. Os dois foram para o quarto de um hotel nas redondezas
e fizeram sexo. Depois, a mulher descobriu sua origem árabe e o denunciou à
polícia, alegando ter sido estuprada. Kashur foi detido e desde então
esperou o julgamento em prisão domiciliar. Na semana passada, foi condenado
a dezoito meses de cadeia. A Justiça entendeu que ele é culpado porque
sugeriu ser uma coisa que não era - judeu - para seduzir a mulher, cuja
identidade não foi revelada. "O tribunal é obrigado a proteger o interesse
público de criminosos sofisticados e de boa conversa que podem enganar
vítimas inocentes a um preço insuportável: a santidade de seu corpo e alma",
disse o juiz Tzvi Segal. Em Israel, o estupro é punido com até dezesseis
anos de prisão. Para aliviar a sentença, o réu admitiu a culpa e foi
condenado pelo crime menos grave de violação sexual mediante fraude. "No
Brasil, também existe essa figura jurídica, mas ela se aplica a situações em
que o violador tem uma posição de poder e usa argumentos enganosos, como uma
promessa de emprego, para convencer a vítima a fazer sexo", explica a
advogada criminalista Fernanda Tórtima, do Rio de Janeiro.


Para o jurista Kenneth Mann, da Universidade de Direito (sic) de Tel-Aviv, o
veredicto foi exagerado e pode estabelecer um precedente perigoso. "A
sentença abre a possibilidade de um homem ser acusado de estupro toda vez
que mentir a uma mulher para fazer sexo com ela", diz Mann. Na condenação de
Kashur, que ainda pode ser revertida pela Corte Suprema, há uma agravante: a
intolerância religiosa. Os árabes israelenses compõem 20% da população. Eles
são cidadãos com passaporte do país, mas identificam-se mais com os
palestinos. O relacionamento amoroso entre árabes e judeus é um tabu para
ambos os grupos, apesar de não haver lei que o proíba. Três em cada quatro
judeus em Israel consideram o casamento com árabes uma traição nacional. O
governo israelense fez, no ano passado, uma campanha que desencorajava
judeus a se casarem com pessoas de outras religiões. A propaganda na TV
mostrava cartazes de rapazes e moças desaparecidos colados em postes e
estações de metrô. Com isso, tentava-se vender a ideia de que um judeu em um
casamento misto está "perdido" do ponto de vista da comunidade. Nos
subúrbios de Tel-Aviv, alguns cidadãos fazem patrulha para supreender casais
de árabes e judeus e coibir os namoros mistos. A Justiça nunca havia tomado
uma decisão oficializando o tabu.

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